top of page

O Espírito de Deus pode ocupar-se dos movimentos de "reis e seus exércitos", quando tais movimentos estão de alguma maneira ligados ao povo de Deus. No caso presente, Abraão, pessoalmente, nada tinha a ver com a revolta de Gênesis 14:1-11. A sua "tenda e o altar" não eram um motivo suficiente para uma declaração de guerra, nem tão pouco para serem afetados pela luta e seus resultados. A parte que pertence ao homem celestial nunca pode, de qualquer modo, despertar a cobiça ou a ambição de reis e conquistadores deste mundo.


Mas, embora Abraão não fosse prejudicado pela luta de "quatro reis contra cinco”, todavia Ló o era. A sua posição estava muito comprometida com o acontecimento, pois estabelecera a sua morada na campina de Sodoma sendo, portanto, profundamente atingido pelas guerras de Sodoma. Não podia pela graça seguir o caminho da fé, o caminho seguido por Abraão, inteiramente afastado do curso dos acontecimentos deste mundo. Havia, espontaneamente abandonado a elevada e santa posição daqueles cuja "cidade está nos céus" e não buscam um nome, um lugar e um quinhão na terra, sofrendo assim as inexoráveis consequências das convulsões e vicissitudes do mundo. Sempre será, uma coisa amarga e dolorosa para um filho de Deus, imiscuir-se com os filhos deste mundo. Nunca saíra ileso, sofrendo prejuízo para a própria alma e para o testemunho que lhe está confiado.


Qual testemunho deu Ló em Sodoma? Um testemunho muito fraco na verdade, se é que deu algum testemunho. O próprio fato de ter se estabelecido em Sodoma foi o golpe mortal no testemunho, pois testemunhar de Deus não fazia parte dos seus objetivos pessoais ao armar suas tendas na campina de Sodoma. Interesses pessoais e familiares parecem ter sido a razão principal que motivou sua decisão. É importante notar que não podemos ter objetivos conflitantes ao mesmo tempo, sendo impossível conciliar os interesses mundanos com os interesses do evangelho de Cristo. Claro que um servo de Cristo pode fazer as duas coisas, realizar negócios e pregar o evangelho, mas durante todo o tempo, o objetivo deve ser sempre o de servir ao Senhor. Paulo, por exemplo, pregava o evangelho e fazia tendas, mas o evangelho era o seu objetivo.


O coração é traiçoeiro! Muitas vezes é verdadeiramente espantoso como ele nos engana quando ambicionamos bens materiais. Dará inúmeras razões plausíveis para os nossos atos pois os olhos do entendimento estão cegados pelos interesses mundanos. É comum ouvirmos pessoas defendendo posições que admitem ser más, sob o pretexto que dessa forma serão mais úteis. A esses, Samuel dá uma resposta poderosa e direta: "obedecer é melhor do que sacrificar, e o atender melhor é do que a gordura de carneiros". I Samuel 15:22


Voltando ao texto, perguntamos: qual dos dois pôde fazer mais o bem, Abraão ou Ló? Não é a história destes dois homens uma prova indiscutível de que o meio mais eficaz de servir o mundo exige sermos fiéis por meio da separação e testificarmos contra ele? Mas recorde-se que separação genuína do mundo só pode ser resultado da comunhão com Deus. Eu posso excluir-me do mundo e constituir-me o centro do meu ser, à semelhança de um monge ou de um cínico. Separação para Deus é coisa muito diferente. Uma esfria e contrai-se, enquanto a outra aquece e expande. Aquela lança-nos sobre nós próprios e esta faz-nos sair em ativi-dade e amor pelos outros. Assim, no caso de Abraão, vemos que a sua separação habilitou-o a prestar um serviço eficaz em favor daquele que, por seguir caminhos mundanos, havia se metido em dificuldades: " Ouvindo pois Abraão que o seu irmão estava preso, armou os seus criados, nascidos em sua casa, trezentos e dezoito, e os perseguiu até Dan". Gênesis 14:14


Ló era, afinal, irmão de Abraão. E o irmão fraterno deve atuar. "Na angústia nasce o irmão". Provérbios 17:17 E acontece muitas vezes em épocas de adversidades o coração suaviza-se e torna-se susceptível de amabilidade, até mesmo para com aqueles de quem tenhamos nos separados. E é notável que enquanto lemos no versículo 12 que "tomaram a Ló, filho do irmão de Abraão", no versículo 14 lemos, "ouvindo, pois, Abraão que o seu irmão estava preso". As exigências da aflição de um irmão são atendidas pela afeição do coração do outro irmão. Isto é divino. A fé verdadeira que sempre nos torna independentes, nunca nos deixa ficarmos indiferentes. Nunca nos agasalhamos com nossos mantos, enquanto um irmão sente arrepios de frio.


Existem três coisas que a fé faz: "purifica o coração", "age por amor" e "vence o mundo". E todos estes resultados da fé são admiravelmente apresentados em Abraão, nesta ocasião. O seu coração estava purificado das abominações de Sodoma, mostrou verdadeiro amor por seu irmão Ló e, finalmente, saiu-se completamente vitorioso contra os reis. Tais são os frutos preciosos da fé, princípio celestial extremamente honroso para Cristo. Todavia, o homem de fé não está livre dos assaltos do inimigo. Com muita frequência, quase sempre imediatamente a uma vitória, somos confrontados com uma nova tentação.


Assim aconteceu e Abraão, pois "o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro" depois que voltou de ferir Chedorlaomer e aos reis que estavam com ele. Havia, evidentemente, um intento insidioso do inimigo nesta atitude. "O rei de Sodoma" apresenta um pensamento muito diferente e mostra uma forma diversa do poder do inimigo daquela vista em Chedorlaomer e nos reis que estavam com ele. No primeiro caso vemos o silvo da serpente e, no segundo caso, o rugido do leão. Mas quer fosse a serpente ou o leão, a graça de Deus era amplamente suficiente e o mais apropriado para o seu servo no momento exato daquela sua nova necessidade. "E Melquizedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho, e era este sacerdote do Deus altíssimo. E abençoou-o , e disse: Bendito seja Abraão do Deus altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; e bendito seja o Deus altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos".


Aqui vemos em primeiro lugar o ponto especial em que Melquizedec entra em cena e, o efeito duplo do seu ministério. Ele não apareceu quando Abraão saiu em perseguição de Chedorlaomer, mas sim quando o rei de Sodoma foi atrás de Abraão. Isto faz uma grande diferença moral, pois um caráter mais profundo de comunhão era necessário para enfrentar o maior embate do conflito. Quanto ao ministério, o "pão e o vinho" animaram o espírito de Abraão após o conflito com Chedorlaomer, ao passo que a benção preparou o seu coração para o combate ao rei de Sodoma. Abraão era um vencedor, mas estava prestes a ser novamente um contendor, e o sacerdote real animou o espírito do vencedor e fortificou seu coração do combatente.


É particularmente agradável observar a maneira como Melquizedec apresenta Deus aos pensamentos de Abraão. Fala d'Ele como "O Deus altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra" e, não somente isto, mas declara Abraão "bendito" do mesmo Deus. Isto era efetivamente a única forma eficaz para prepará-lo para o encontro com o rei de Sodoma. Um homem que era "bendito" de Deus não precisava tomar coisa alguma do inimigo. E se o "Possuidor dos céus e da terra" enchia a sua visão, os bens do rei de Sodoma seriam muito pouco atrativos a si próprio.


Por isso, quando o rei de Sodoma faz sua proposta, "dá-me a mim as almas, e a fazenda toma para ti", Abraão responde: "Levantei minha mão ao Senhor, o Deus altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra, que desde um fio até à correia de um sapato, não tomarei coisa alguma de tudo que é teu; para que não digas: eu enriqueci a Abraão". Como poderia ele pensar em livrar Ló do poder do mundo, se ele próprio aceitasse ser governado por ele? O único meio de libertarmos outro é nós mesmos estarmos inteiramente libertados também. Enquanto permanecermos no fogo é-nos de todo impossível tirarmos alguém dele. O caminho da separação é o caminho do poder, assim como o caminho da paz é bem-aventurança.


O mundo, nas suas várias faces, é o grande instrumento que Satanás usa com o fim de enfraquecer as mãos e alienar o afeto dos servos de Cristo. Porém, bendito seja Deus, pois quando o coração Lhe é fiel, Ele vem sempre animar, fortalecer e fortificar, e sempre no momento mais oportuno. "Quanto ao Senhor, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é perfeito para com ele". II Crônicas 16:9


Isto é uma verdade animadora para os nossos corações tímidos, duvidosos e vacilantes. Cristo será a nossa força e escudo. Como diz o Salmo 140:7, Ele cobrirá a nossa cabeça no dia da batalha; "adestra as nossas mãos para a peleja e os nossos dedos para a guerra" Salmo 144:1 e, por fim, esmagará em breve Satanás "debaixo dos nossos pés". Romanos 16:20 Tudo isto é consolador para o coração ansioso por fazer guerra ao "mundo, a carne e o diabo". Que o Senhor guarde os nossos corações fiéis a Si no meio da cena ardilosa que nos rodeia.


Texto extraído de ESTUDOS SOBRE O LIVRO DO GÊNESIS de C.H.Mackintosh

bottom of page