O capítulo 11 do Gênesis é de profundo interesse para a mente espiritual. Registra dois grandes fatos, a saber, a edificação de Babel (11:1-5) e a confusão da língua e a dispersão dos homens sobre toda a face da terra (11:6-9). O esforço do homem para suprir as suas necessidades, e a provisão de Deus dada à conhecer à fé. Ou, em outras palavras, a diligência do homem para se estabelecer na terra, e Deus chamando dela um homem, para ter a sua porção e o seu lar no céu. “E era toda a terra de uma mesma língua, e de uma mesma fala. E aconteceu que partindo eles do oriente, acharam um vale na terra de Sinar e habitaram ali. E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra. Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam”. Gênesis 11:1-5
O coração humano procura sempre um nome, uma parte e um centro na terra. Nada sabe dos desejos quanto ao céu, do Deus do céu ou da glória. Deixado entregue a si, encontrará sempre os seus fins neste mundo; edificará sempre abaixo dos céus. São necessários a chamada de Deus e o poder de Deus, para elevar o coração do homem acima deste mundo, pois o homem é uma criatura rasteira, alienado do céu e ligado a terra. No quadro que agora temos perante nós não há reconhecimento de Deus, nem um olhar para cima, nem esperança n’Ele; nem tão pouco se tratou de pensamento do coração humano para fazer um lugar no qual Deus pudesse habitar. O nome de Deus nunca é mencionado. Fazer um nome para si próprio foi o único objetivo do homem na planície de Sinar. E tal tem sido o seu objetivo desde então.
Quer contemplemos o homem na planície de Sinar ou nos bancos do Tigre, vemos que ele é sempre a mesma criatura, independente, orgulhoso e sem Deus. Existe uma consistência melancólica em todos os seus propósitos, nos seus princípios e caminhos; procura sempre colocar Deus aparte e exaltar-se a si próprio. A verdade é que, seja qual for a luz a que olharmos para esta confederação Babilônica, é nítido vê-la na primitiva manifestação do gênio e energias do homem, sem contar com Deus. Se olharmos para o decorrer da história humana, perceberemos facilmente uma tendência acentuada para formação de associações ou confederações. O homem busca a maior parte das vezes alcançar os seus fins deste modo. Quer seja por meio da Filantropia, da Política ou da Religião, nada pode ser feito sem uma associação de indivíduos bem organizados. É conveniente notarmos este princípio – bom frisarmos o começo da sua operação – para vermos o modelo primitivo que as páginas inspiradas nos dão duma associação humana, como a vemos na planície do Sinar, no seu planejamento, objetivo, intento e malogro.
Se olharmos em volta de nós, na atualidade, veremos o mundo cheio de organizações e, será inútil descrevê-las, visto que são tão numerosas quanto os propósitos do coração humano. Todavia vale ressaltar que a primeira de todas foi a associação do Sinar, organizada com o fim de promover os interesses humanos e exaltar o nome do homem, propósitos estes que podem bem ser postos em competição com qualquer outro que chame a atenção neste século iluminado e civilizado. Porém, no parecer da fé, há nisso um grande defeito, a saber, Deus é deixado para fora. Procurar exaltar o homem sem Deus é exaltá-lo a um ponto estouvado apenas para que possa ser lançado dali em confusão desesperada e em irreparável ruína. O Cristão deve apenas conhecer uma associação, e esta é a Igreja do Deus vivo, unida pelo Espírito Santo que veio do céu como testemunha da glorificação de Cristo, para batizar os crentes num corpo, e constituí-los em lugar de habitação de Deus. Babilonia é o próprio oposto disto, em todos os sentidos e, torna-se no fim, como sabemos, “morada de demônios”. Apocalipse 18
Então o Senhor disse: “Eis que o povo é um, e todos tem uma mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a língua de toda a terra, e dali os espalhou o Senhor sobre a face de toda a terra”. Gênesis 11:6-8 Tal foi o fim da primeira tentativa do homem para se associar e assim será até ao fim. “Alvoroçai-vos, ó povos, e sereis quebrantados; dai ouvidos, todos os que sois de longes terras: cingi-vos e sereis feitos em pedaços”. Isaias 8:9
Quão diferente é quando Deus ajunta os homens! No capítulo 2 de Atos dos Apóstolos vemos o bendito Senhor vindo, em graça infinda, para encontrar o homem nas próprias circunstâncias em que o pecado o havia posto. O Espírito Santo habilitou os mensageiros da graça a darem sua mensagem na própria língua em que cada um havia nascido. Preciosa verdade esta, que Deus desejou alcançar o coração do homem com a doce história da graça! A lei dada do monte em fogo não foi assim promulgada. Quando Deus dizia o que o homem devia ser, falou só numa língua; mas quando dizia o que Ele Próprio era, falou em muitas línguas. A graça passou sobre a barreira que a verdade e a loucura do homem tinham dado causa a que fosse erguida, a fim de que cada homem pudesse ouvir e compreender as boas novas da salvação – “as obras maravilhosas de Deus”. E com que fim? Precisamente para associar os homens sobre o terreno de Deus, em volta do centro de Deus e segundo os princípios de Deus. Era para lhes dar, na realidade, uma língua, um centro, um objetivo, uma esperança, uma vida. Era para os ajuntar de tal forma que nunca mais fossem espalhados ou confundidos; para lhes dar um nome e um lugar que deveriam perdurar para sempre. Para lhes edificar uma cidade e uma torre cujo topo não só chegaria ao céu, mas cujos fundamentos inabaláveis, lançados pela mão onipotente do próprio Deus, estariam no céu. Era para os ajuntar em volta da Pessoa gloriosa de um Cristo ressuscitado e exaltado, e uni-los a todos num grande desígnio de louvor e adoração.
Abrindo o Apocalipse, no capítulo 7, “encontramos todas as nações, e tribos, e povos, e línguas”, perante o Cordeiro, tributando-lhe com uma mesma voz todo o louvor. Desta maneira as três Escrituras podem ser lidas com interessante e proveitosa ligação: em Gênesis 11 Deus dá várias línguas como uma expressão do Seu julgamento; em Atos 2 Ele dá várias línguas como expressão de graça; e em Apocalipse 7 vemos todas essas línguas em volta do Cordeiro na glória. Quão melhor é, portanto, encontrarmos o nosso lugar na associação de Deus do que na do homem! A primeira acaba na glória, a última na confusão; aquela é conduzida pela energia do Espírito Santo, esta pela energia profana do homem pecador; uma tem como objetivo a exaltação de Cristo, a outra tem como seu alvo a exaltação do homem, de um modo ou de outro.
Por fim, podemos dizer que todos aqueles que, sinceramente, desejam conhecer o verdadeiro caráter, objetivo e fim das associações humanas, devem ler os primeiros versículos de Gênesis 11; e, por outro lado, todos quantos desejarem conhecer a excelência, a beleza, o poder e caráter duradouro da associação divina, devem olhar para essa corporação santa, viva e celestial, que é chamada no Novo Testamento, a Igreja do Deus vivo, o Corpo de Cristo, a Noiva do Cordeiro. Que o Senhor nos ajude a meditar e a compreender estas coisas no poder da fé, porque só deste modo poderão beneficiar as nossas almas. Os pontos da verdade, por muito interessantes que sejam; 0 conhecimento bíblico, por muito extensivo e profundo que seja; a crítica bíblica, por muito rigorosa e valiosa que possa ser, deixam o coração vazio e as afeições frias. Precisamos achar Cristo nas Escrituras e, tendo-O achado, devemo-nos alimentar d’Ele pela fé. Isto dará frescura, unção, poder, vitalidade, energia e intensidade, coisas das quais necessitamos profundamente nestes dias de frio formalismo.
Qual é o valor duma ortodoxia fria sem um Cristo vivo, conhecido em todas as Suas atrações poderosas e pessoais? Sem dúvida, a sã doutrina é imensamente importante e todo o servo fiel de Cristo sentir-se-á terminantemente chamado para guardar e conservar “o modelo das sãs palavras”. II Timoteo 1:13 Mas, afinal, Cristo vivo é a própria alma, e vida, as juntas e medula, as capilares e artérias, a essência e substância da sã doutrina. Possamos todos nós, pelo poder do Espírito Santo, ver mais beleza e preciosidade em Cristo, e assim sermos afastados do espírito e princípios da Babilonia.
Texto extraído de ESTUDOS SOBRE O LIVRO DO GÊNESIS de C.H.Mackintosh